Saída da rede social X do Brasil pode interferir no cumprimento de decisões do STF, diz especialista
Para outro advogado, não será tão simples para a empresa americana não cumprir as ordens do Judiciário brasileiro
Por Flávia Maia
A saída da empresa X do Brasil pode trazer consequências à execução das decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como o tempo de cumprimento e a subordinação à legislação estrangeira, segundo explica Ângelo Prata de Carvalho, advogado e professor de direito digital. Outro especialista da área, o advogado Alexandre Atheniense pondera que não será tão simples para o X não cumprir as ordens do Judiciário brasileiro.
Carvalho esclarece que, caso a companhia mantenha alguma forma de representação no Brasil, como por exemplo um escritório de advocacia ou outro representante oficial, as decisões continuam sendo executadas como ocorre atualmente, com a empresa sendo notificada no Brasil.
Porém, se não mantiver mais nenhuma representação no Brasil, as ordens da Suprema Corte brasileira serão enviadas aos Estados Unidos, país sede da empresa. Esse envio ocorre por meio de acordos de cooperação internacional e com o intermédio do Ministério da Justiça. Dessa forma, o cumprimento da sentença poderá ser mais demorado, uma vez que envolve todo trâmite de acordos internacionais.
Vale lembrar que, em muitos casos, o ministro Alexandre de Moraes pediu ao X a retirada de conteúdo em prazos exíguos de 24 horas ou 48 horas, o que ficaria mais complicado por meio de um acordo de cooperação.
Outro ponto levantado por Carvalho é que, quando a Justiça americana recebe um pedido de cooperação judicial internacional do Brasil, esse pedido vai ser interpretado pela legislação local. Nos Estados Unidos, o conceito de liberdade de expressão é um direito fundamental praticamente absoluto, diferente do Brasil, que se alinha mais aos conceitos europeus de liberdade de expressão, no sentido de que é importante, mas se admitem mitigações desse direito.
“A ameaça de sair do Brasil, diante da indisponibilidade do X de cumprir as ordens do ministro Alexandre de Moraes, é uma ameaça de tornar ainda mais difícil a execução desse tipo de ordem, ou seja, o oferecimento das informações que o ministro Alexandre procura obter”, explicou.
Porém, Carvalho ressalta que submeter as decisões à jurisdição americana não é uma garantia de que a empresa não terá que cumpri-las, sobretudo aquelas relacionadas a discurso de ódio. Mesmo nos Estados Unidos há preocupação com esse tipo de conteúdo.
“Existe um voto de confiança que o ordenamento jurídico americano adota essa concepção mais liberal sobre liberdade de expressão, e vai continuar adotando mesmo nesses casos concretos. Mas não existe exatamente uma garantia. Existe uma tendência, mas vai depender de como são apresentadas essas ordens, a forma como elas são interpretadas e até a própria conduta desses agentes”, afirmou.
Atheniense, por sua vez, defende que será mais complicado Elon Musk não se submeter à jurisdição brasileira. O advogado lembra que o X tem relações comerciais no país e ainda estará sujeito às leis brasileiras, tanto pelo Código de Defesa do Consumidor quanto pelo Marco Civil da Internet. O advogado lembra também que, mesmo que Musk retire qualquer representação do país, as decisões são sobre fatos que ocorreram enquanto a empresa operou no Brasil, então o X não pode simplesmente ignorar as ordens judiciais.
“Elon Musk está descumprindo [as decisões] e não é de agora. Ele está desafiando a jurisdição brasileira. Agora, desafiar a jurisdição brasileira enquanto a sede existia no Brasil, não significa dizer que ele tirando toda a representação do Brasil, estará imune. Não. Ele precisa acertar as contas com a Justiça brasileira”,
esclareceu o advogado.
“O fato aconteceu no momento em que ele tinha o escritório de representação comercial no Brasil. Então, diante disso, o Marco Civil se aplica e torna a empresa, ainda que encerradas as atividades, responsável pelo cumprimento daquela decisão. Ninguém pode encerrar a atividade da empresa sem antes quitar suas obrigações com a Justiça brasileira”, acrescentou.
A rede social X, do bilionário Elon Musk, informou neste sábado (17) que vai encerrar as operações no Brasil. Em um post publicado na rede, a empresa diz que a medida se deve a decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes.
Segundo o X, em despacho, Moraes teria ameaçado multar e prender a responsável pelo escritório da companhia no Brasil, Rachel de Oliveira Villa Nova Conceição, por descumprimento de determinações judiciais. A empresa afirma, contudo, que o serviço continuará disponível para os usuários no país. Procurado, o STF não se manifestou sobre o assunto.
Publicado no Valor Econômico.