Diante de vácuo legislativo, causídicos avaliam possibilidade de violação do direito à privacidade.

Com o aumento da interação das pessoas com o mundo digital, o Judiciário brasileiro passou a se deparar com conflitos voltados para a herança digital. Os advogados Celina Mendonça (Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados), Sílvio de Salvo Venosa (Demarest Advogados) e Alexandre Atheniense falam sobre a importância da implantação de normas que tratem do legado digital.

A normatização da questão da herança digital é importante, de acordo com a advogada Celina, uma vez que ainda não há uma lei específica sobre o tema. Segundo a causídica, enquanto não há uma definição na legislação sobre todos os bens que compõem a herança digital, aqueles que buscam resguardar direitos ou proteger a imagem do autor da herança, devem submeter tais questões ao crivo do Poder Judiciário, que na maioria das vezes acaba dando tratamento diferenciado para cada caso.

Para Atheniense, no entanto, a atual legislação brasileira sucessória é suficiente. Para o profissional, são os serviços fornecedores de conteúdos digitais que precisam de aperfeiçoamento. “As redes sociais se adaptaram. Sites como Twitter, Facebook e Instagram permitem que um perfil seja excluído mediante solicitação e apresentação de documentos que comprovem o óbito, sendo que estas duas últimas redes sociais citadas, ainda disponibilizam a opção de tornar o perfil um memorial.”

Já Venosa acredita que os direitos dos institutos digitais – como o Youtube, por exemplo – pertencem aos direitos da personalidade, sendo necessária uma regulamentação do fenômeno, que em muito se aproxima dos direitos autorais. O advogado diz, ainda, que cada empresa dentro do mundo digital deve e pode regular os direitos ou a eventual finalização dos direitos com a morte do titular, contudo, essa não seria a melhor solução, visto que cada manifestação dentro das redes tem um rumo próprio.

Direito à privacidade

Ainda de acordo com Venosa, o espaço deixado por esse vácuo legislativo seria preenchido pelo testamento e sustenta que, na falta de texto legal, o melhor a se fazer é excluir a conta, salvo manifestação expressa do “de cujus” ou dos herdeiros.

“Ao deixar, porém, a matéria livre, podemos enfrentar abusos em detrimento da personalidade do morto, que permanece protegida após sua morte, pelos seus herdeiros. Ademais, há que se especificar que classe de manifestações devem permanecer depois da morte.”

Segundo Atheniense, seria ideal que o titular das contas tenha deixado uma manifestação em vida sobre seu desejo de excluir ou manter a conta através de familiares. O causídico defende que, em casos onde não há essa manifestação, os termos de serviço das redes sociais existentes irão definir se cabe a transferência dos bens digitais aos herdeiros. Assim, se o usuário tiver concordado, não há violação do direito à privacidade.

Celina acredita que o tema é polêmico, já que poderia não ser da vontade do usuário que os seus herdeiros tivessem acesso aos seus conteúdos privados. A advogada argumenta que, quando não há uma declaração expressa do falecido, a transmissão dos bens digitais deve ser objeto de análise judicial, levando em consideração qual seria a vontade do falecido ou até mesmo de cada herdeiro. “Qualquer ato que não esteja respaldado por lei ou pelo Poder Judiciário poderá caracterizar violação de direitos.”

Publicado originalmente no Portal Migalhas